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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Cubatão na Bahia. O século XX pede passagem



Fabio Feldmann
De São Paulo
Tenho insistido muito na idéia de que o mundo hoje está polarizado entre duas visões: a do século XX versus século XXI. O pré-sal, a era do petróleo, estaria claramente no século passado.Foto Mary Berbert 300Este conflito está claramente refletido no nosso cotidiano, coexistindo as duas visões do mundo, de modo que o setor empresarial cosmopolita assume um papel inovador e responsável diante da sociedade, bem como o conceito de crescimento econômico e do PIB passa por uma reformulação, incorporando novas dimensões. Do ponto de vista político, o Brasil mantém práticas das capitanias hereditárias e sesmarias, que de tão conhecidas e escancaradas dispensam comentários...



Infelizmente temos no Brasil poucas lideranças governamentais com a visão do século XXI, o que se reflete claramente em políticas governamentais atrasadas e perpetuadoras de modelos superados. Na Bahia, estou acompanhando um "projeto governamental", que me parece reproduzir Cubatão naquele estado, quando este exemplo se revelou completamente superado em termos de uma idéia de desenvolvimento sustentável, ou seja, aquele que incorpora as dimensões econômica, ambiental e social.
O Governo Federal pretende implantar uma ferrovia ligando Ilhéus-BA a Figueirópolis-TO, a denominada Ferrovia Oeste-Leste (FOL), com o objetivo de permitir principalmente o escoamento de ferro de Caetité e outras commodities, associando a implantação daquele modal à implantação de um porto em Ilhéus (na Ponta da Tulha). A ferrovia tem um custo estimado de 6 bilhões de reais, mediante financiamento do orçamento público, ou seja, o contribuinte brasileiro será o grande financiador. O porto seria objeto de eventual concessão de acordo com a legislação portuária. Quer dizer que num país com pouquíssima capacidade de investimentos públicos, estar-se-ia alocando verdadeira fortuna para um conjunto de obras de infra-estrutura com pouquíssima preocupação em otimizar alternativas já existentes, localizadas em regiões que não possuem os ativos ecológicos do sul da Bahia.
Em que pesem dúvidas sobre o traçado da ferrovia, dos impactos ambientais da implantação do empreendimento, o que chama atenção é o fato de que aquela região da Bahia possui uma enorme vocação para atividades de turismo sustentável, bem como de projetos inovadores em termos de uso da biodiversidade ali existente, reconhecidamente uma das mais ricas do mundo de acordo com trabalhos realizados por entidades científicas e governamentais.
Certamente há uma incompatibilidade clara entre uma vocação voltada para atividades econômicas sustentáveis e um projeto de infra-estrutura associada à exportação, pelo fato de que a implantação desta última traz impactos diretos na região, que esvaziam a vocação turística já em curso, além de que os impactos indiretos no Brasil são usualmente negligenciados mas acabam sendo a médio prazo os mais perversos. No caso específico, me refiro à atração de mão-de-obra para a região no decorrer das obras, que, em poucos anos sendo desmobilizada, não encontra inserção econômica e social, agravando os problemas de favelização, violência, exploração sexual, e outras modalidades de exclusão social.
O caso de Cubatão é um bom exemplo: a mão de obra responsável pela implantação da refinaria de Presidente Bernardes e da própria Via Anchieta, acabou permanecendo na Baixada Santista, sem encontrar uma ocupação econômica após o período de construção, sendo que a consequência mais visível foi o início da ocupação dos chamados bairros cota de Cubatão. Passadas alguma décadas o governo de São Paulo está alocando centenas de milhões de reais para "resolver" o problema.
A diferença entre as duas situações é que Cubatão reflete uma visão do pós-guerra, da industrialização a qualquer preço, do crescimento econômico confundido com desenvolvimento. A tese levada pelo Brasil na primeira grande Conferência sobre Meio Ambiente promovida pelas Nações Unidas, em Estocolmo, em 1972, de que poluição era sinônimo de progresso, ou seja, bem-vindas as empresas e atividades poluidoras.
No caso da Bahia, ao invés de se pensar em investimentos públicos de retorno duvidoso para a sociedade, viabilizando basicamente a exportação de ferro, que diga-se de passagem poderia utilizar outras instalações portuárias naquele estado, o governo federal poderia tornar aquela região a Costa Rica brasileira, ou seja, criar um ambiente de negócios sustentáveis em termos de turismo e outras atividades empregadoras de mão-de-obra local e mesmo geradoras de renda, assegurando a médio prazo a sustentabilidade ecológica da região. Nesse particular, mais uma vez insisto na importância de se preservar para as futuras gerações parte expressiva da vida no planeta, que estará sob intensa ameaça por atividades econômicas pouco sustentáveis.
Vale lembrar o que o ex-Ministro de Turismo do Brasil, Caio Carvalho, sempre afirmou que o país ainda não percebeu o potencial econômico e social de um turismo contemporâneo, voltado para a geração de renda das populações locais, com foco no usufruto da natureza e da experiência social de comunidades tradicionais. Segundo o ex-Ministro, a utopia do desenvolvimento sustentável se torna viável tão somente quando os tomadores de decisão governamentais perceberem que o século XXI valoriza os ativos ambientais e ecológicos, e que a infra-estrutura que permite o seu uso fruto requer políticas públicas voltadas a manutenção do capital natural e cultural do país.
Como compreender um projeto para a Bahia e seu litoral sul que potencialmente dilapida esse patrimônio ambiental e cultural? Em que século as lideranças governamentais da Bahia se colocam?
Ainda que exista um longo processo pela frente em termos de avaliação ambiental por parte dos órgãos ambientais envolvidos, a questão principal continua sendo como implantar "Cubatão" na Bahia em pleno século XXI.
Com a palavra, as lideranças políticas da Bahia...


Fabio Feldmann é consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica. Foi deputado federal, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dirige um escritório de consultoria, que trabalha com questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável.
Fale com Fabio Feldmann: fabiofeldmann08@terra.com.br

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